I - introdução
Sempre que termino de escrever uma música passa pela minha mente escrever algo a seu respeito; dar vazão aquelas mesmas ideias musicais que se concretizaram em sons, só que desta vez, em palavras. Confesso, entretanto, a vontade é passageira, pois me pergunto, afinal, qual o propósito deste efêmero desejo. A música não carece de explicações ao público. Muitas vezes as palavras podem até mesmo desviar a escuta e dizer coisas completamente diferentes que com ela não se relacionam. Isso porque, antes de tudo e de qualquer entendimento, a música mexe com nossos afetos e sensações. São os afetos que nos dizem algo; e aquilo que nos dizem é a potência do que sentimos ao ouvir. Com essa imagem podemos considerar, em princípio, falar sobre música é falar de uma potência que nos afeta em algum sentido fora do ordinário. Este processo é oposto ao entendimento elaborado por explicações dissipadas em abstrações cujo o principal efeito é levar o público a percorrer grandes distâncias entre o compositor e sua obra. Por estão razão, arrisco a dizer, há sempre um ar de suspeita que paira sobre o compositor quando ele se põe a falar e a explicar sua própria música, pois, no fundo, nunca há o que explicar. Há tão somente que se esperar uma música que faça sentido, não com as palavras mas com outras coisas bem diversas, não raro, indefiníveis como uma imagem, um sentimento, uma energia... tudo conjugado numa força que pode ou não nos levar a manter atenção nos sons que sentimos e não sabemos como definir, isto é, dizê-los ao certo. Como esta posição é por demais passiva tendemos, invariavelmente, a falar algo que julgamos relevante neste processo. E neste momento, como criadores, saímos dizendo coisas – ideias, abstrações e técnicas – para nos confortar, ou para dizer a nós mesmos de todas aquelas coisas que duvidamos no processo criador que elas valem alguma coisa.
Inventamos coisas que falem por nós, pela música que optamos fazer. Mas nem sempre isto está claro, pois, em geral, antes de pensar na condição pela qual saímos dizendo algo de nossas músicas, inventamos múltiplas razões para explicar a criação, quando na verdade há apenas uma: a necessidade. No fundo todas as análises, todas as filosofias da música, todas as soberbas se resumem a apresentar e esmiuçar uma necessidade aos outros, a necessidade de criar. Criamos música porque sentimos necessidade de fazê-lo. Gilles Deleuze é quem disse essa feliz frase em certa ocasião tratando das ideias da filosofia. Penso com ele que criamos por absoluta e indivisível necessidade. Então venho aqui falar um pouco desta insondável necessidade. E cá estou eu me pondo numa situação de risco em ajeitar aqui as melhores palavras que mais próxima estão do sentido de representação desta peça.